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Eros Volúsia (Heros Volúsia Machado- 1914/ 2004) foi uma dançarina brasileira nascida no Rio de Janeiro, aluna de Maria Olenewa na Escola de Bailados do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, hoje Escola Estadual Maria Olenewa. Estreou no Teatro Municipal e pouco depois podia ser considerada a inventora da dança brasileira. As danças místicas dos terreiros, os rituais indígenas, o samba, o frevo, o maxixe, o maracatu e o caboclinho de Pernambuco foram algumas das fontes de pesquisa artística da bailarina. Em uma de suas inúmeras entrevistas dadas à Revista O Cruzeiro, Eros Volúsia sintetizou sua missão artística: "Dei ao Brasil o que o Brasil não tinha, a sua dança clássica!"

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Esse Amor Que Nos Consome: Allan Ribeiro conversa com Elisa de Magalhães.


Por Elisa de Magalhães
Artista visual, bailarina e jornalista

Elisa de Magalhães
Entre a ficção e a realidade, misturando poesia e o cotidiano. Assim, Allan Ribeiro construiu “Esse Amor Que Nos Consome”, seu longa-metragem de estreia atuado pela Companhia Rubens Barbot Teatro de Dança. Há 6 anos, Allan, recém-formado na faculdade de cinema da UFF, conheceu Gatto Larsen, diretor artístico da Companhia e o bailarino e coreógrafo Rubens Barbot. A relação dos três, que começou com uma pequena filmagem documental da Companhia foi sendo reforçada e alimentada por outros trabalhos e por um curta-metragem, premiadíssimo, chamado “Ensaio de Cinema”. Esse filme é revelador de uma companhia de dança que não se acomoda na tradição da dança afro, ou nas raízes negras de sua história. A fonte e o horizonte dessa trupe de atores-bailarinos é muita mais ampla: é uma companhia negra de dança contemporânea.

O filme de Allan apresenta poeticamente vidas que se dedicam à dança e à arte, integralmente, sem concessões, num amor sem limites, que consome. Para Allan, escolher a Companhia, sua história e personagens e misturar a isso uma ficção, como tema de seu primeiro filme, foi um desdobramento natural.
Conversei com Allan Ribeiro quando ele se preparava para estrear “Esse Amor Que Nos Consome” no Festival de Cinema de Brasília, em 2012:

Allan Ribeiro
ELISA – Allan, “Esse Amor Que Nos Consome” é ficção e é realidade. Como é que esse filme transita entre a ficção e a realidade, onde começa a ficção e termina a realidade?
ALLAN – A história é quase 100% verdadeira e com os próprios personagens. Mas acontece que a gente utilizou uma filmagem como na ficção. Fizemos uma pesquisa de 6 meses, escrevi o roteiro com o diretor da Companhia de Dança, que é o Gatto Larsen, e depois filmamos como uma ficção. Ou seja, não foi um documentário, em que as coisas estavam ali acontecendo espontaneamente. A gente interpretou os atores já sabiam as cenas quais seriam, eram combinadas, às vezes ensaiadas, quase sempre não, porque a gente tentava ser mais espontâneo. E eles tinham um roteiro. Não foi feito na montagem o que seria interessante da vida deles ou não; isso foi feito no roteiro, na pré-produção. A gente já chegou na filmagem com o roteiro pré-estabelecido. Ele tem uma filmagem, uma cara de ficção, nesse sentido. Apesar de estarmos abertos a novas possibilidades, coisas espontâneas, ao acaso, durante as filmagens. Isso também entrou no filme.

E – Bem, para trabalhar com a Companhia Rubens Barbot, você tem sempre que estar preparado para o acaso...
A – Para novas situações, de improviso...

E – A sua relação com a Companhia não é de agora. Não é à toa que, nesse filme, você consegue fazer uma ficção em cima do que é real, do que acontece no dia-a-dia da Companhia. Sua relação com eles começou há muito tempo e até penso que esse roteiro não foi desenvolvido agora, por você e pelo Gatto. É como se ele viesse sendo costurado desde 2006, que foi a época que vocês se conheceram e começaram a trabalhar.
A – Exato! A gente se conheceu porque eu fiz um simples registro de um espetáculo deles, que se chamava “Quase uma História”, em 2006, e depois disso a gente fez uma relação, porque eu fiz uma restauração de uns arquivos deles, de audiovisual, tinham várias fitas antigas, a gente fez uma caixinha de DVD muito legal e, hoje em dia, a gente é parceiro, eu sou praticamente da Companhia, fico mais na parte de vídeo, lógico, eu não sou dançarino, mas a gente tem uma parceria grande. E mais do que o roteiro ser costurado, ser desenhado, desde essa época, acho que é mais a relação. A forma como eles estão à vontade diante da câmera, depende muita da confiança desses 6 anos, que a gente já se conhece, já se estuda e se admira. Então acho que o roteiro foi só um pretexto para contar a relação deles com a arte, essa entrega da vida deles para a dança é muito bonita.

E – Você conta a história a partir do momento que eles mudam para a atual sede da Companhia e casa deles, aquele imóvel enorme, na Praça da Cruz Vermelha. Essa decisão de começar ali foi de quem? Foi sua, do Gatto, de vocês dois e por quê?
Making Of 
A – O argumento inicial foi meu. Mas o Gatto que me contou, eu não tinha visto o casarão ainda, e ele tem uma forma muito cinematográfica de contar as coisas... Então, quando ele me contou desse casarão, eu já fiquei encantado. O Gatto também tem uma formação de cinema e de fotografia, e ele me contava das luzes, como elas entravam no casarão, um casarão antigo, com tais e tais características e, na hora, quando ele me disse que o casarão está sendo vendido, mas que por enquanto eles estão lá, e acreditam que vão ficar lá, achei que isso podia ser o principal argumento do filme, e, a partir daí, a gente contar esse cotidiano deles.

E - O título do filme “Esse Amor Que Nos Consome”, acho que traduz bem a relação da Companhia com a arte e o próprio trabalho deles. Agora, porque você escolheu esse título, de onde vem?
A – Esse é um espetáculo antigo da Companhia. A gente tinha até uma coisa provisória do tipo “Territórios”, “Terreiro”, que é como eles chamam o casarão – o Terreiro. Depois da filmagem, a gente percebeu que o filme era mais do que isso. Que era essa entrega deles mesmo, das relações entre os componentes da Companhia, entre o Gatto e Rubens, entre a dança e eles todos, entre mim e eles, enfim. O filme tem muitas camadas, tem essa questão da habitação, tem essa coisa do companheirismo entre os dois, tem a Companhia inteira, é ficção, é dança... é tanta coisa junta que eu achei que esse título seria muito bom. O amor, ninguém sabe definir muito bem, assim como a gente não conseguia definir muito o filme, e esse é um espetáculo que eles não têm filmado, eu achei interessante “Esse Amor Que Nos Consome” também ser o título do filme.

E – É engraçado isso...
A – É, mas apesar de o filme ser bem complexo de se resumir, a gente está tendo um tempo aqui maior, acho que vai dar para explicar o que é o filme. Mas, às vezes, a gente tem que fazer uma sinopse, falar em poucas palavras o que é o filme, e a gente tem uma dificuldade muito grande, por causa dessa grande quantidade de camadas. Apesar disso, o filme passa e as pessoas entendem perfeitamente. As histórias estão bem montadas, estão bem explicadas, e as danças entram de uma forma bem natural, geralmente são coreografias ligadas ao que está acontecendo no roteiro, à vida deles, e eu acho que ele pode atingir um público que não é cinéfilo, pode atingir qualquer público.

E – Pode-se pensar que o filme é também uma vídeo-dança, porque conta uma história, uma história que é ficção e é realidade e, ao mesmo tempo, se dança aquilo que se conta.
A – É... a gente pode chamar de vídeo-dança nesse sentido, porque é vídeo e a dança está bem presente no filme, mas eu evito chamar de docudrama, vídeo-dança, porque são nomenclaturas que já tem um formato, uma linguagem muito específica, e a gente acredita que fez uma ficção mesmo, com alguma dança. Um jornalista me perguntou se era um estilo de musical... também não é. A gente acredita que fez uma coisa nova que fica difícil de classificar.

E – É o seu primeiro longa-metragem, não é?
A – Isso! Já fiz nove curtas, inclusive um com a Companhia, é importante falar, que foi o “Ensaio de Cinema”, um dos meus curtas mais premiados e onde a gente já testou esse tipo de relação de ficção e da vida real deles.

E – O “Ensaio de Cinema”, então, foi uma espécie de ensaio para “O Amor Que Nos Consome”?
A – É. A gente não sabia que ia fazer um longa, né? O “Ensaio de Cinema” pode ser, mas  o título é por conta deles serem dançarinos e terem uma perfomance dentro do curta que fala de cinema.
Cena do Filme Ensaio de Cinema

E – É o seu primeiro longa-metragem, nascido dessa relação tão longa, e de um amadurecimento dela, porque, embora o roteiro tenha sido escrito recentemente para o filme, até chegar nele houve uma alimentação e uma sedimentação da relação por todos esses anos.
A Você diz “amadureci” em relação à Companhia ou cinematograficamente?

E – Acho que as duas coisas, Allan, por que você tem tantas abordagens cinematográficas da Companhia, tanto filmando para um cenário, como com o curta, como com a organização do acervo, a documentação de alguns espetáculos...
AEu me formei em Cinema em 2006, então acho que estou numa fase de amadurecimento, ainda. Apesar de que esse longa eu acho um filme bem rígido, bem construído. Tive bons parceiros também, fazendo o filme, mas para ele ser dessa forma, uma tentativa de ser uma linguagem nova, acho que é um pouco do compromisso de fazer um filme com a Companhia Rubens Barbot, que é uma companhia que faz dança de vanguarda, que tenta se reinventar a todo o momento. Então, a vontade de fazer um filme com eles, não só porque eles são excelentes personagens, mas também, porque encontrei parceiros que tentam sair do lugar comum. Eles têm toda a tradição com a dança africana, com o folclore afro, com as danças religiosas, mas estão ligados no contemporâneo e tentam misturar essas coisas todas que, no fundo, é a vida deles, também, né?
Make Up
E – Você diria que esse filme é uma história do Gatto e do Barbot, que está misturada à Companhia, ou é um filme sobre a Companhia, ou é tudo isso misturado?
A – Eu acho que é tudo isso junto. O Rubens e o Gatto tem uma força incrível no filme, são os dois personagens principais, mas é a Companhia que dá o colorido, também, os ensaios, tanto de clássico, como da música afro, do terreiro e as performances em que eles se espalham pela cidade do Rio... é interessante dizer que nem Gatto nem Barbot são nascidos no Rio, mas eles ocuparam a cidade como se fosse o lugar deles desde sempre, e a gente tenta mostrar isso através da dança, no filme. Então é sobre a Companhia, também. É legal dizer que não é nada histórico sobre a Companhia, não tem necessidade de dizer quem são eles. O filme não diz, por exemplo, que eles são a primeira companhia brasileira afro de dança contemporânea. O filme não se preocupa com isso. O filme se preocupa com o sentimento que eles passam né! Com essa força do que eles estão construindo a cada dia.