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Eros Volúsia (Heros Volúsia Machado- 1914/ 2004) foi uma dançarina brasileira nascida no Rio de Janeiro, aluna de Maria Olenewa na Escola de Bailados do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, hoje Escola Estadual Maria Olenewa. Estreou no Teatro Municipal e pouco depois podia ser considerada a inventora da dança brasileira. As danças místicas dos terreiros, os rituais indígenas, o samba, o frevo, o maxixe, o maracatu e o caboclinho de Pernambuco foram algumas das fontes de pesquisa artística da bailarina. Em uma de suas inúmeras entrevistas dadas à Revista O Cruzeiro, Eros Volúsia sintetizou sua missão artística: "Dei ao Brasil o que o Brasil não tinha, a sua dança clássica!"

PUBLICAÇÕES

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Ayer Nomás – (Ontem Apenas)



Gatto Larsen
Produtor – Encenador



Neste final de domingo chuvosos sobre a nossa cidade, e eu caminhando pelas ruas desertas do centro de um Rio de Janeiro, cinza e poético, penso. Gosto muito de pensar nas coisas acontecidas enquanto caminho, parece que consigo enxergar com maior clareza e analisar os fatos.
Lembrei, por exemplo, do incêndio acontecido na noite do dia 10 de Julho do ano de 2010 transformando em fumaça, cinzas e desolação 20 anos. Lá se foi o acervo de figurinos e adereços, um atelier completo onde se fabricavam todas essas peças, de onde saiam os sonhos transformados em realidade. Livros, computadores, equipamentos de som e vídeo, linóleos de várias cores, tecidos - que aguardavam a hora de ser algo mais que tecidos, caixas com pequenos detalhes, luvas, cintos e bijuterias, feitos especialmente para os personagens que ajudavam a compor. Cadeiras e a oficina completa de cenários, elementos de iluminação e novamente livros, muitos livros, CDs, fitas de vídeo, e tantas, tantas coisas...
            Às vezes nos pegamos procurando alguma coisa... Que não encontramos... Ah! Estava com o figurino que queimou, é a resposta. E nessa hora chego a sentir o cheiro daquela fumaça. Na mesma noite, com o mesmo cheiro da fumaça, enquanto o espaço da companhia era devorado pelo fogo e pela água dos bombeiros, eu olhando sem pensar em nada, só vendo uma chave presa por dois dedos, balançando, apareceu diante dos meus olhos embotados, de calor, fumaça, gente... Muita gente! Vapor e vozes, muitas vozes, atrapalhando a noite daquele sábado na Lapa. Junto com a chave, uma voz calma e apaziguadora dizia: “Se serve pode usar! É um prédio em construção que está sem acabar! Está à venda. É precário de tudo! Há um depósito no térreo, mas se servir para amenizar a situação, a chave está aqui.Agradeci, e respondi: “Não vou pegar a chave, mas se precisar falo com você”.
            Na caminhada, entre ruas e becos, lembrei que exatamente 30 dias após o incêndio, bati na porta do empresário perguntando: “A proposta ainda está de pé?” Peguei a chave, e fomos para o tal imóvel. Desse dia lembro pouca coisa, mas o que lembro, como se fosse agora, se materializa nesta folha de papel e sinto o mesmo arrepio acompanhado de um profundo suspiro e logo a sensação de descanso, uma sensação aprazível, até gostosamente fresca, como esta noite de outono em que escrevo estas memórias. O corpo, meu corpo, sentiu algo que não sei explicar naquele dia 10 de Agosto ao entrar no imóvel. Mesmo sabendo que a propriedade estava à venda e não teríamos dinheiro para comprar, dois meses depois começamos a sonhar um sonho chamado Terreiro Contemporâneo. Escrevi o projeto, Cláudia Ramalho fez a revisão e Luiz Monteiro o aperfeiçoou. Era um sonho, mas os dias, meses e anos se passaram e o imóvel não foi vendido, apesar dos inúmeros visitantes que passaram pelo corretor.
Um trabalho por encomenda... Outro não estreado, ainda... Um filme, um patrocínio que rendeu outro trabalho e... Foi um sucesso: prêmios, aplausos, viagens... E a ingrata procura de tentar abrir portas para apresentar a ideia, que no apagar das luzes do ano 2012... A surpresa: Vamos fazer o Terreiro Contemporâneo! O imóvel não está mais à venda! O sonho se tornou realidade.
            Isso trouxe à tona a composição da Companhia, nesta hora tão importante. Importante não somente para a Companhia Rubens Barbot em si - claro que ter uma sede permanente é uma satisfação -, mas importante para as artes cênicas negras e contemporâneas. Nesta hora, o elenco e corpo criativo da Companhia está formado, resistentes lutadores, Rubens Rocha, bailarino, coreógrafo assistente e mestre de dança e Luiz Monteiro coreógrafo, assistente de direção, professor e ex- bailarino  juntamente com Rubens Barbot são da época da criação, por tanto são da era da pobreza da trupe.

Claudia Ramalho, bailarina, pesquisadora, docente, mestre em artes, representa o médio dos conquistadores. Ela chegou em 2001, em 2005 foi respirar outros ares, mas continuou palpitando na companhia e voltou em 2012. Carlos Maia, jornalista e ator, e Wilson Assis, bailarino, capoeirista, produtor e professor, pertencem à nova geração, chegaram em 2005/2006. E o novíssimo Eder Martins, ator e bailarino, chegado na segunda metade de 2011.
Á todos eles somasse nomes como Maria Júlia Ferreira, magnífica designer gráfica, que desde 1994 é quem vai dando cara e rosto às idéias; César de Ramires, iluminador, amigo e conselheiro, que está junto puxando o barco desde 1993; Allan Ribeiro, cineasta e videomaker, que cuida da imagem da companhia, desde 2006; E a recém chegada Veronica Luzia, designer e web divulgadora, que abraçou esta revista em 2001 e não sabia que estava abraçando a Companhia inteira; Wilton Montenegro, nosso fotógrafo, impecável artista contemporâneo, pensador, intelectual e debochado, nosso amigo, meu e de Barbot, antes que a companhia sequer fosse pensada...

Assim, as imagens que acompanhavam meu pensamento, passavam e ao mesmo tempo caia a ficha do Terreiro Contemporâneo. Ele, o Terreiro, é fruto da perseverança, do espírito de guerrilha, da luta, de incêndios, da persistência de nossa gente, do suor, de chãos duros, de dúvidas... Tudo! E parece que foi... Ayer Nomás*.
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* Ayer Nomás, título tomado emprestado da música homônima de Moris.